terça-feira, 12 de setembro de 2017

Os eternos problemas do cinema português

« – Tal como se encontra legislado, que perspectivas abre a nova lei de cinema?

– Há muita coisa com que não estou de acordo, como todos nós, evidentemente. Mas o que mais choca é verificar que a Lei irá proteger mais as entidades exploradoras do cinema do que aqueles que afinal o produzem. A abertura e preferência dada às co-produções parece-me também – digam o que disserem todos aqueles que no cinema apenas vêem interesses comerciais – o mais clamoroso atentado à concretização dum cinema nacional com personalidade própria. Fala-se de estruturas, infra-estruturas e mais quejandas coisas, apenas para camuflar desígnios inconfessáveis que todos bem conhecemos, conscientes como estamos de que Portugal nunca poderá ser uma oficina de cinema enlatado para consumo universal. Nem isso nos interessava nada!

Mas, não nos trará algumas coisas boas a nova Lei? Pois concerteza que sim. Se ela for cumprida nessas alíneas. Mas a melhor ajuda que ela nos poderia dar – arrisco! – seria a de construir dois cinemas, um em Lisboa e outro no Porto, para estreia dos nossos filmes, livre de taxas de exibição e distribuição, que nos levam quase a totalidade das receitas nos dois maiores centros de rentabilidade, o que quase sempre impossibilita a recuperação dos capitais investidos. Os filmes – sem discriminação – seriam ali estreados pela ordem do seu acabamento e estariam no cartaz o tempo que o público entendesse. Às salas, administradas pelo Instituto, poderia dar-se os nomes de "Paz dos Reis" no Porto e – porque não – "Leitão de Barros", em Lisboa. Quando não houvesse filmes para estrear, fazer-se-iam reposições e retrospectivas. Isso era ajudar o cinema português e dignificá-lo. (...) »

Excerto de uma entrevista a Manuel Guimarães, no Diário de Lisboa, em 1972 (data incerta).

Nota: a lei referida é a lei nº7/71 que cria o IPC, Instituto Português de Cinema, actual ICA.

http://doc-log.blogspot.pt/2007/03/h-35-anos.html

domingo, 3 de setembro de 2017

Filme perdido de Manuel Guimarães recuperado e exibido na Feira do Livro do Porto





O filme "A Terra e o Homem", realizado por Manuel Guimarães (1915-1975) e que estava perdido, foi recuperado pela associação Confederação e será exibido na Feira do Livro do Porto, a par de um documentário sobre o cineasta.

Localizado em 2016 pela Confederação -- Coletivo de investigação teatral, um grupo fundado no Porto em 2010, o documentário, de 15 minutos, mostra a cidade de Vila Nova de Famalicão, através de filmagens que decorreram em 1968.

O filme será exibido pelas 19:00 de terça-feira, na Biblioteca Municipal Almeida Garrett, no Porto, antes da projeção de "Nasci com a Trovoada -- Autobiografia Póstuma de um Cineasta", um filme realizado por Leonor Areal "a partir de filmes e textos de Manuel Guimarães", utilizando materiais de arquivo, de filmes, fotografias e artigos de jornal a cartas e diários para traçar um documentário "quase ficção" sobre o neorrealista, narrado pelo próprio cineasta.

A obra foi localizada na Escola Básica Dr. Francisco Sanches, em Braga, depois de um contacto do diretor, Jorge Amado. "Na altura da reformulação, o diretor liga-me a dizer que tinha pedido para reunir tudo o que era material de cinema numa sala", contou à Lusa Miguel Ramos, um dos fundadores da Confederação.

No meio do material encontrado, que foi depositado no Arquivo Nacional de Imagens em Movimento (ANIM), estava uma fita "que dizia 'Ulisseia Filmes' e 'Homenagem ao Dr. Nuno Simões'".

"Achei estranho pelo formato, porque estava em 35mm, que não era projetado, só em salas de cinema, e não era uma reportagem, porque era muito grande para o ser", comentou Miguel Ramos, que ao assistir percebeu tratar-se de "A Terra e o Homem", o filme perdido de Manuel Guimarães, que o apontou "em duas anotações em listas biográficas".

O próximo passo foi telefonar a Leonor Areal, que se encontrava na fase final da montagem de "Nasci com a Trovoada", antes do depósito do filme e dos trabalhos de recuperação depois de um conjunto de "muitos fatores e muita gente a trabalhar junta" para um resultado positivo.

O restauro, levado a cabo no ANIM, foi financiado pela Câmara Municipal de Famalicão e foi outro resultado feliz do processo. "Explicámos que tínhamos a verba e íamos avançar, eles tinham um curso interno de recuperação em analógico e o filme foi por aí", revelou Miguel Ramos.

A película, "em ótimo estado", permite deixar a obra de Manuel Guimarães "completa", com um filme que "tem muito interesse, primeiro para Famalicão, que já tinha um do Manoel de Oliveira ('Famalicão', de 1941), que é um pouco mais pitoresco, enquanto este é um pouco mais direto, mais cru".

"Está muito bem filmado, é muito cru, porque o Guimarães é um neorrealista e quer ir para a rua e filmar aquelas pessoas em primeiro plano. É um documentário com tempo, a filmar a feira, e depois toca na tal homenagem ao Nuno Simões, um republicano que tem ainda hoje muita relevância", comentou.

A homenagem, que segundo as informações recolhidas pelo coletivo ocorreu a 09 de abril de 1968, foi levada a cabo pelo município de Vila Nova de Famalicão, concedendo ao republicano (1894-1976) a insígnia de "Grande Oficialato da Ordem de Benemerência".

É neste ponto que termina o documentário de Manuel Guimarães, até aqui considerado desaparecido, e que foi encomendado pela autarquia à Cultura Filmes, de Ricardo Malheiro. O documentário enquadra-se mais nos filmes "mais institucionais" da filmografia do realizador, embora tenha já "um cunho altamente neorrealista".

"Ele vai filmar para a rua, as pessoas, passa muito tempo na feira, interessa-lhe a paisagem, mas ele dedica muito tempo à feira, filmar as pessoas em primeiro plano, a vinda delas, o que é que se está a vender", apontou.

A equipa por detrás da recuperação também encontrou o negativo do filme, que se encontra "em muito mau estado", e está a preparar um texto sobre o filme, uma investigação apoiada pelas autarquias do Porto e de Braga, que será disponibilizado na Internet.

Nascido em 1915, em Albergaria-a-Velha, Manuel Guimarães destacou-se como cineasta neorrealista, tendo-se estreado com "O Desterrado -- Vida e Obra de Soares dos Reis", em 1949, antes de realizar uma das suas obras mais conhecidas, a longa "Saltimbancos", em 1951.

Antes de morrer, em 1975, na cidade de Lisboa, o cineasta criou longas e curtas-metragens, entre ficção e documentário, como "O Crime da Aldeia Velha" (1964) ou "A Costureirinha da Sé" (1958), além de "Tráfego e Estiva", em 1968, que foi o primeiro filme português rodado em 70mm.

Desenvolveu ainda atividade como pintor e caricaturista, numa carreira na qual viu, em várias películas, a censura 'cortar' várias cenas, devido à crítica social patente, como "Nazaré", de 1952, que contava com argumento do escritor Alves Redol (1911-1969).

Lusa

sábado, 2 de setembro de 2017

Duas estreias no Porto - 5 Setembro 2017



Integrado na Feira do Livro do Porto 2017

5 Setembro 2017 || 19h00
A Terra e o Homem (1969) de Manuel Guimarães
Nasci com a Trovoada - Autobiografia póstuma de um cineasta (2017) de Leonor Areal

Leonor Areal estreia no Porto o seu documentário “Nasci com a Trovoada”, e é projectado pela primeira vez no Porto “A Terra e o Homem”, um missing filme de Manuel Guimarães
Sessão apresentada por: Miguel Ramos (Confederação – colectivo de investigação e teatral) e Leonor Areal.

Duração total da sessão: 150min

Nesta sessão dupla, projectamos o documentário Nasci com a Trovoada realizado por Leonor Areal a partir de filmes e textos de Manuel Guimarães, cineasta neo-realista cuja obra foi estraçalhada pelo regime fascista português. O documentário baseia-se integralmente em materiais de arquivo: filmes, fotografias, artigos de jornal, cartas e diários. Manuel Guimarães é a voz do narrador que nos conduz através da sua vida e obra. Assim, o documentário transforma-se numa quase ficção, que os fragmentos de filmes escolhidos vão ilustrar.

A “Terra e o Homem” é um documentário do cineasta Manuel Guimarães (1915-1975), sobre Famalicão e a figura do republicano Dr. Nuno Simões (1894-1976). Esta obra considerada desaparecida, foi localizada em Braga no ano 2016 pela Confederação – colectivo de investigação teatral. Após trabalhos de recuperação e investigação que envolveram diversos parceiros em todo o país – Cinemateca Portuguesa, Município de Famalicão, Município de Braga, Municipio do Porto, Leonor Areal entre tantos outros, a obra volta a ser projectada a partir de Setembro de 2017.

Admissão gratuita

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